sábado, 27 de agosto de 2011

Mijadinha de Felicidade

Texto de Rubem Alves, 71,

(ed.Vênus, 163 págs.)
Extraído da Revista da Folha de 17 de abril de 2005

Meu nome é Lola. É assim que me chamam. Quando gritam o meu nome, sei que me querem perto deles. Psicologicamente, posso ser definida como um animal incapaz de mentir ou fingir. Minha alma mora na minha pele. Quando estou alegre, meu rabo abana por conta própria, independentemente da minha vontade. Quando a alegria é demais, dou umas mijadinhas. Quando estou triste, meu rabo e minha cabeça abaixam. Quando estou com sono, me esparramo no chão, do rabo ao focinho. Tudo se dependura: pele, orelha, testa olhos.
Meu dono gosta de mim, embora fique bravo quando eu pulo para abraçá-lo e lhe dar uma lambida. O que é verdade para mim não é verdade para o meu dono. A alma dele não mora na pele. Ele mente. Ele finge. Nunca o vi dar uma mijadinha de felicidade. Talvez ele não seja suficientemente feliz para isso.
Às vezes estou deitada do jeito como descrevi e ele está assentado numa cadeira. Ele olha para mim de um jeito diferente. Não é alegria. Não é tranqüilidade. Acho que é inveja. Ele gostaria de ser como eu sou, mas não tem coragem... Está morrendo de vontade de se esparramar também no chão frio, como eu. Mas não o faz. Fico a pensar: o que o impede?
Acho que é vergonha. Os homens têm vergonha uns dos outros. Sou feliz porque não tenho vergonha e faço o que quero. Talvez essa seja a razão por que os homens gostam de ter «pets»: porque nos «pets» eles projetam uma felicidade que eles mesmos não têm. Diga-me o «pet» que você tem e eu saberei como é a sua alma. Os «pets» têm uma função terapêutica. Bem, eu sou uma cadela, e tudo o que disse foi de brincadeirinha. Porque eu mesma, na realidade, me contento em ser feliz. Não gasto tempo pensando essas coisas...

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