terça-feira, 9 de agosto de 2011

Tratamento igual entre humanos e animais


reportagem / animais
O novo dono da casa
Recentes descobertas científicas questionam a relação entre animal e homem. Em breve, seu bicho pode não ser mais “seu”
Guilherme Rosa

West Hollywood é uma espécie de paraíso democrata na costa oeste dos Estados Unidos. Com uma população composta majoritariamente por gays, artistas e celebridades, a cidade, que fica em Los Angeles, na Califórnia, sempre ditou as tendências do pensamento liberal no país. Foi, por exemplo, a primeira cidade americana a liberar a união civil entre duas pessoas do mesmo sexo. Desde fevereiro, West Hollywood também é pioneira na defesa dos direitos dos animais: foi aprovada uma lei que proíbe a venda de cães e gatos em pet shops, acabando com os criadouros. Antes disso, a cidade já proibia que se arrancassem as garras dos gatos e indicava que todo animal de estimação deveria ser chamado de “companheiro”, enquanto os donos seriam os “guardiões”. Tudo isso partindo de uma posição simples e cada vez mais difundida: os animais merecem ser tratados como gente. 

A humanização dos bichos parece ter vindo pra ficar. Cada vez mais somos levados a encarar nosso animal de estimação como parte da família, um parente próximo. No passado, os cruzamentos de cães eram feitos para selecionar características que os ajudassem na realização de tarefas como caça e proteção, mas ao longo dos tempos passamos a buscar traços de amabilidade e sociabilidade. Na busca de um melhor amigo cada vez melhor, não só humanizamos o cão como passamos a nos dar conta de que ele sempre foi um tiquinho homem. 

É o que comprovam as pesquisas de Marc Bekoff, professor de ecologia e biologia evolutiva da Universidade do Colorado. Seus estudos mostram que características consideradas exclusivamente humanas, como a capacidade de sentir emoções e de tomar decisões morais, estão espalhadas por todo o reino animal. “Os animais têm sentimentos complexos e profundos, como alegria, mágoa, vergonha, ressentimento, empatia e compaixão. Eles diferenciam o certo do errado e se sensibilizam pela dor e a alegria dos outros animais”, diz. 

Para Marc, o melhor exemplo disso está nas brincadeiras que vê seus cães fazendo em casa. Quando o maior e mais forte deles brinca com um mais fraco, ele controla sua força e não morde com tanta violência. Muitas vezes até se deixa dominar, para deixar o jogo mais equilibrado. “Sabemos que eles têm desejos, sentem dor e uma grande variedade de emoções. Isso significa que devemos tratá-los com respeito e compaixão. Temos que levar em conta o que eles são.” 

O sociólogo Roger Yates é um ativista de longa data, que chegou a ser preso por sua militância em prol dos animais na década de 80. Hoje em dia, ele faz parte de uma corrente que defende a instituição de direitos para os animais. “Eles têm o mesmo desejo de viver que a gente. Tendemos a pensar que o mundo nos pertence, que nos foi dado por Deus. Mas os outros seres têm tanto direito à vida na Terra quanto a gente. Devemos respeitá-los como possuidores de direitos.” 

As reivindicações de Yates vão ao encontro de ideias como as da neurocientista americana Lori Marino [veja artigo na pág. 87], que dão suporte a um tratamento mais igual entre humanos e bichos. A partir do estudo do comportamento de golfinhos, ela mostrou que não somos os únicos a nos reconhecer num espelho — eles também têm um senso de identidade. “Se comparado com o resto do corpo, o cérebro do golfinho é o segundo maior de toda a natureza. Eles também se mostraram capazes de se comunicar com humanos e responder às nossas perguntas. Nós é que ainda não conseguimos entendê-los.” 

Segundo Yates, o que nos impede de enxergar um golfinho e um homem como seres de igual valor é uma construção social chamada de especismo. “Valorizamos as vidas de formas diferentes. Desde crianças somos educados para colocar a espécie humana como a mais importante.” Mas, segundo Roger, existe um direito animal que não pode ser esquecido e que resume todos os outros: o direito a não ser uma propriedade. “Moralmente, não poderíamos ter um animal, nos colocarmos como seus donos.” 

Enquanto isso, um processo de habeas corpus que corre na justiça carioca chama a atenção para a questão da propriedade dos animais aqui no Brasil. O Great Apes Project (GAP), uma ONG que luta pelos direitos dos grandes primatas, está tentando tirar o chimpanzé Jimmy das mãos do zoológico de Niterói, onde ele vive sozinho num espaço de 110 metros quadrados. “Achamos que o habeas corpus se aplica ao Jimmy devido à sua característica praticamente humana. Eles são muito próximos a nós, têm direitos e não podem ser tratados como propriedade“, diz o cubano naturalizado brasileiro Pedro Ynterian, presidente do GAP.

O projeto costuma recuperar alguns primatas em situações de risco e, segundo Pedro, aqueles que vêm dos zoológicos são os que costumam estar em pior estado. “Eles não estão machucados fisicamente como os que vêm dos circos, mas mentalmente. E é mais difícil curar isso. Eles são completamente perturbados, querem se suicidar, se mutilam, não conseguem se relacionar com os outros chimpanzés — nem sexualmente.” 

Ao mesmo tempo em que os zoológicos começam a ser discutidos, uma polêmica antiga parece caminhar para uma solução. Cada vez mais a comunidade científica se nega a fazer testes com bichos, e o motivo passa longe de ser o bem-estar animal. 

Segundo Ray Greek, presidente da Americans for Medical Advancement (AFMA), os testes estão acabando porque são ineficazes. “Você não pode usar os animais para predizer a resposta humana a uma droga ou a uma doença. Na verdade, usá-los pode trazer pistas falsas. Fomos enganados pela reação dos macacos ao HIV e quase não produzimos a penicilina por causa desse tipo de teste”, diz. 

Em 1929, logo após descobrir as propriedades da penicilina, Alexander Fleming resolveu testá-la em coelhos. Como esses animais rapidamente excretam a substância na urina, não houve efeito algum. A pesquisa ficou abandonada por quase uma década. 

Ray Greek diz que mesmo algumas empresas farmacêuticas já estão abrindo mão desses testes, porque perceberam que podem ter perdido bons remédios que teriam rendido dinheiro. “O Instituto Nacional de Câncer dos EUA já disse que provavelmente a sociedade perdeu uma cura para o câncer porque essas drogas não reagiram bem em ratos”, diz. 


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